Kenneth Branagh já foi aclamado como o ”novo Lawrence Olivier” por sua paixão e seu talento em suas diversas adaptações das obras de William Shakespeare, como ”Muito Barulho por Nada”, ”Henrique V” e ”Othello”. Freqüentemente considerado austero e academicista, na verdade Branagh também gosta de experimentar com gêneros e personagens variados, como prova sua participação em ”Harry Potter e a Câmara Secreta”.
Ao contrário do que muita gente acredita, Kenneth Branagh não nasceu na Inglaterra, e sim na Irlanda do Norte. Viveu miseravelmente sua infância em Belfast, em uma região poluída por uma indústria de tabaco. Aos nove, sua família mudou-se para Reading, na Inglaterra. No colegial, era ao mesmo tempo um rato de biblioteca e um atleta admirado – mal sabiam os colegas de classe que seu sotaque britânico era completamente forçado para que ele pudesse se integrar. Em casa, mantinha o jeito irlandês de falar.
Sua paixão pelas artes dramáticas surgiu aos 15 anos, quando viu uma apresentação do ator clássico Derek Jacobi – não por um acaso, interpretando ”Hamlet”, texto de Shakespeare (Jacobi, aliás, viria a se tornar parceiro de Branagh em diversos filmes). Desde então, Branagh estudou e atuou o quanto pode e, aos 18, conseguiu ingressar a prestigiada Royal Academy of Dramatic Arts (RADA), em Londres.
À vontade no ambiente da RADA, Branagh deslanchou. Suas performances atraíram cada vez mais as atenções de colegas, professores e críticos, e, no papel de Hamlet, ele ganhou o principal prêmio da escola, o Bancroft Award. Depois de formado, em 1982, atuou na peça ”Another Country”, ao lado de Rupert Everett (”O Casamento do meu Melhor Amigo”). Por este trabalho, ganhou o prêmio de revelação da Society of West End Theaters’.
Mas para Branagh não era suficiente. Seu prestígio aumentou ainda mais quando conseguiu entrar na seletíssima Royal Shakespeare Company. Era a máxima realização de um fã fervoroso do Grande Bardo, mas o sonho durou por pouco tempo. Não porque Branagh não fosse talentoso o suficiente – ele continuava recebendo elogios unânimes – mas porque achava tudo muito burocrático. Branagh era um empreendedor, e acabou saindo da RSC para fundar a Renaissance Theatre Company.
A RTC começou humilde e, por vezes, foi considerada uma decepção pela crítica teatral. Mas, aos poucos, foi reunindo um elenco fixo fenomenal, que incluía Judi Dench (”Shakespeare Apaixonado”), Emma Thompson (”Razão e Sensibilidade”), Richard Briers e Derek Jacobi. Quando se tornou um grande diretor de cinema, Branagh carregou os colegas consigo – todos eles são figurinhas fáceis em seus filmes.
Emma Thompson, em particular, Branagh manteve ainda mais perto do coração. Em 1989, firmaram um casamento que duraria por seis anos. Outro motivo de alegria para o ator no mesmo ano foi sua estréia na tela grande, com ”Henrique V”. No ápice de seu egocentrismo, Branagh chegou a lançar, poucos meses depois, sua autobiografia, aos meros 28 anos. O livro foi considerado prematuro e um tanto desnecessário.
Mas não importava: Branagh já estava a caminho de Hollywood. Em 1991, ele estrelou, ao lado de Thompson, ”Voltar a Morrer”, um thriller romântico à la Alfred Hitchcock. O filme foi um sucesso-surpresa naquela temporada, e o casal de recém-chegados passou a ser chamado de ‘’o casal real do cinema britânico’’.
No ano seguinte, o casal aproveitou o embalo para estrelar ”Para o Resto de Nossas Vidas”, comédia sobre ex-membros de um grupo de teatro que, depois de um tempo afastados, se reúnem no aniversário de um deles; e a adaptação de Shakespeare ”Muito Barulho por Nada”. Este último é considerado um dos melhores filmes de Branagh, por sua leveza, ótimas interpretações e um senso estético fiel à poesia do Grande Bardo. Com ”Muito Barulho por Nada”, já dava para sacar o cacife de Branagh: ele conseguiu para seu elenco Denzel Washington, Keanu Reeves, Michael Keaton, Robert Sean Leonard e Kate Beckinsale.
Em 1993, Branagh levaria para casa seu primeiro Oscar: ele dirigiu o premiado curtametragem ”Swan Song”. No ano seguinte, porém, Branagh entrou no seu inferno astral, que culminaria no fim de seu casamento. O ator e diretor fez questão de adaptar o clássico do terror ”Frankenstein”, de Mary Shelley, no qual ele faria o cientista louco e Robert De Niro seria o monstro. A superprodução foi um fiasco de crítica e público. No ano seguinte, Branagh tentaria retornar a um terreno seguro, fazendo uma versão de ”Othello”, de Shakespeare, mas obteve uma recepção igualmente fria. Protagonizado por Laurence Fishburne e Irène Jacob, o filme pelo menos foi visto pelo público. O mesmo, porém, não poderia ser dito de seu experimental ”Sonhos de uma Noite de Inverno”, que foi solenemente ignorado.
Em 1996, Branagh partiu para o tudo ou nada. Esta talvez fosse sua última chance de dirigir uma superprodução, então ele decidiu realizar o ”Hamlet” com o qual sempre sonhou. Dirigiu uma superprodução de 4 horas, com figurinos, cenários e fotografia luxuosíssimos. O elenco, então, nem se fala: Julie Christie, Kate Winslet, Derek Jacobi, Jack Lemmons, Robin Williams, Billy Crystal, Charlton Heston, Judi Dench, Gerard Depardieu, entre outros. Branagh conseguiu com ”Hamlet” sua segunda indicação ao Oscar, por melhor roteiro adaptado.
Depois do auge, mais uma queda. Branagh passou por um momento difícil em sua carreira com seus projetos seguintes, que incluíam ”A Proposta”, drama romântico com Madeleine Stowe; ”The Gingerbread Man”, thriller judicial dirigido por Robert Altman, mas que sequer foi lançado comercialmente no Brasil; e o drama ”Livres para Voar”, no qual contracenou outra paixão de sua vida, a atriz Helena Bonhan Carter (de ”Clube da Luta”). que havia conhecido em ”Frankenstein”.
Nem mesmo sua colaboração com o célebre diretor Woody Allen, em ”Celebridades”, foi poupada pela crítica. Muitos acreditaram que, ao invés de tentar criar seu personagem autenticamente, Branagh tentou repetir os trejeitos do próprio Allen quando protagoniza seus filmes. Desconsolado, em 1999 ele arriscou tudo novamente e, ao invés de tentar um filme artístico e sofisticado como ‘’Hamlet’’, aceitou integrar o elenco de um dos blockbusters do ano: o faroeste/ficção científica ”As Loucas Aventuras de James West”, em que fazia o vilão que enfrentava Will Smith e Kevin Kline. Nem é preciso dizer que o filme foi execrado por público e crítica.
Em 2000, o ator tentou encontrar conforto com a seu amado Shakespeare, adaptando uma de suas peças menos conhecidas, ”Love’s Labour’s Lost”. Sinal dos tempos: conseguiu apenas Alicia Silverstone (”As Patricinhas De Beverly Hills”), Matthew Lillard (”Scooby-Doo”) e Nathan Lane (”Birdcage – A Gaiola das Loucas”) para o elenco. Novamente, o filme nem foi lançado no Brasil. Para piorar, Helena Bonhan Carter encerrou o romance com o ator diretor depois que surgiram rumores de que Branagh estaria saindo com Alicia Silverstone.
Disposto a tornar seu trabalho mais versátil, uma de suas últimas atuações foi como dublador em ”O Caminho para El Dorado”, ao lado de Kevin Kline, colega da época de ”James West”. Ainda voltado para as crianças, também pegou o bem-humorado papel de Gilderoy Lockhart em ”Harry Potter e a Câmara Secreta”.